sábado, 8 de dezembro de 2012

Caso Carlos Castro e Renato Seabra: O mistério do quarto 3416

Dois meses de julgamento deixaram poucas dúvidas sobre o homicídio de Carlos Castro. O júri concluiu que Renato Seabra sabia que matar o cronista social estava errado.

Renato Seabra vê Carlos Castro aproximar-se, esticar cada um dos seus 160 centímetros e beijá-lo na boca. Tem 21 anos, conheceu-o há menos de uma hora e agora está sozinho com ele, num quarto do Hotel Sheraton, no Porto. Quatro dias antes, a 10 de outubro de 2010, recebera, no Facebook, um pedido de amizade e uma mensagem em que o cronista social se oferecia para ajudá-lo na sua carreira de modelo. No momento em que sente os lábios daquele homem 44 anos mais velho, pensa: "É a minha hipótese de conseguir coisas melhores na moda." E decide retribuir o beijo.

"Com esta decisão começa um percurso que termina com um evento catastrófico", dirá Jeffrey Singer, responsável por um dos relatórios de avaliação de responsabilidade apresentados pela defesa, durante o seu depoimento, na sala 572 do Supremo Tribunal de Nova Iorque, quase dois anos depois.

A descrição desse primeiro beijo será ouvida em silêncio por Renato. Não lhe deve ter sido fácil escutar alguns dos relatos das testemunhas que ajudaram a traçar o seu percurso até ao quarto de hotel nova-iorquino onde matou o amante, a 7 de janeiro de 2011. Mas, ao longo do julgamento que terminou na semana passada, o jovem nunca dirá uma palavra ou esboçará um gesto. Não reagirá sequer quando o seu advogado de defesa, David Touger, encenar o crime no tribunal, mutilando um corpo imaginário com um saca-rolhas ensaguentado.O namoro

Segundo os relatos de testemunhas, Renato Seabra ainda não trabalhara como modelo quando aceitou encontrar-se com Carlos Castro, embora já tivesse assinado um contrato com a agência Face Models, depois de entrar no programa À Procura do Sonho, da SIC. No dia em que conhece e beija o cronista, envia-lhe um sms à chegada a Cantanhede, onde mora com os pais: "Pensei em tudo que disseste e quero estar contigo." Dias depois, têm sexo, pela primeira vez, em Lisboa. 

Os encontros na capital multiplicam-se e os dois vão juntos a Madrid e a Londres. Renato regressa a casa com prendas e mostra fotografias amadoras, alegadamente de trabalhos, para justificar transferências bancárias (a mais alta de 1 100 euros). Carlos Castro promete-lhe levá-lo a Nova Iorque e, a 1 de dezembro, na Gala dos Travestis, diz, ao microfone: "Encontrei finalmente a minha alma gémea."

Os dois aterram em Nova Iorque a 29 de dezembro e instalam-se no quarto 3416 do Hotel InterContinental. Vão ao Madison Square Garden, onde jogam os New York Knicks, ao Radio City Music Hall, ao Rockfeller Center, à 5.ª Avenida. Carlos oferece a Renato um fato e uns sapatos Versace, dizendo-lhe: "É para usares num dia especial."

Ouvem as doze badaladas em Times Square. No primeiro dia do ano, encontram-se com uma amiga do cronista, Vanda Pires, que vive em New Jersey, e o seu namorado, Avelino Lima. Vanda acha o jovem "calmo e educado". Quando ele conta que gostaria de estudar em Londres, ouve o amigo oferecer-se para lhe pagar o curso. "O Carlos é a melhor coisa que me aconteceu na vida", solta Renato.

No dia 5 de janeiro, os quatro vão a Atlantic City. Vanda e Carlos põem a conversa em dia. Renato fica convencido de que os dois falam "em código" e que se referem a ele quando brincam sobre "pagar para ter sexo". Já passaram alguns dias desde a última vez que teve relações. Começa a achar o ato "nojento".

A zanga

Mais tarde, quando for ouvido por psicólogos, Renato contará que foi vítima de abusos sexuais em criança. "Mostra-se enfático na sua preferência por mulheres", segundo notas de Jeffrey Singer, mas descreve relações com dois primos.

Em Atlantic City, o jovem pede ao amante notas de cem dólares atrás de notas de cem dólares. E perde tudo. No regresso, quando estão a jantar hambúrgueres, dá-lhe comida na boca. "Era como uma lua de mel", recorda Vanda. Os quatro marcam jantar para o dia seguinte, no Pulino's, a pizaria preferida do cronista.

Na manhã seguinte, Renato está no ginásio, às 5 da manhã, mais cedo do que o habitual. Numa conversa telefónica com a mãe, Odília, conta ter dormido mal. "Deve ser da comida", comenta.

No final do dia, Vanda chega ao lóbi do hotel e encontra o amigo sozinho. "Acho que [o Renato] foi encontrar-se com umas raparigas", diz Castro. "Vou procurá-lo." Regressam juntos e sobem ao quarto por uns minutos. No carro, Renato pergunta-lhe: "Viste o chocolate que te deixei desembrulhado, com amor?" Mas o cronista corta, ríspido: "Cala-te! Não quero falar contigo."

No Pulino's, Renato pede vinho. Vanda e Avelino nunca o viram tão contente. Pelo menos três vezes, levanta-se e brinda: "Vamos celebrar!" Ninguém o acompanha. Quando Carlos vai à casa de banho, Vanda pergunta-lhe: "O que é que fizeste?" Renato sorri, mas não responde.

No elevador do hotel, aproxima-se de Carlos, que o afasta com uma mão. No dia seguinte, não falam, durante o pequeno-almoço. O cronista levanta-se quando Renato ainda está a beber leite. O jovem segue-o até ao quarto, pede cem dólares e sai do hotel.

Carlos Castro telefona a Vanda e desabafa: "Discutimos a noite toda. Ele disse-me coisas horríveis. Parecia outra pessoa, parecia que tinha dupla personalidade." Terá sido durante esta discussão que o jovem afirmou que já não era gay. Carlos conta que antecipou as viagens, para regressar a Portugal dentro de dois dias. "Porque não o metes num avião sozinho?", pergunta-lhe a amiga. Ele tranquiliza-a: "Quando chegarmos a Lisboa, cada um vai seguir o seu caminho."

O ataque

Às 12 e 41, a empregada de limpeza abre a porta do quarto e encontra o cronista de pijama, junto à janela. Antes de se ir embora, pergunta se está tudo bem. "Sim", responde-lhe o hóspede.

Um minuto depois, entra Renato. Carlos liga para Odília e passa o telemóvel ao filho, que diz: "Mãe, eu não posso falar, não posso falar, tenho de desligar." Odília telefona de volta, mas já só ouve o filho dizer: "Não atendas que é a minha mãe e ela não quer falar contigo."

Carlos diz que vai ligar a Vanda. Renato tenta impedi-lo e ele dá-lhe um estalo. O jovem agarra-lhe o pescoço por trás e atira-o ao chão. "Partiste-me o braço" são as últimas palavras do amante. Segundos depois, perde a consciência.

A partir daqui, a acusação defende que Renato reage influenciado "pela raiva e frustração" causadas pelo fim do namoro. A defesa argumenta que está dominado por um episódio maníaco que o coloca "numa missão do inferno".

O jovem agarra num ecrã de computador e atinge Carlos Castro na cabeça e no peito. Pega numa cadeira de metal e faz o mesmo com ela. Levanta uma garrafa de vinho tinto e acerta-lhe na cabeça. Salta várias vezes em cima da sua cara. Depois, segundo descreverá, imagina Carlos "a levantar-se e a pedir para lhe ir ao cu" e receia "não conseguir impedir que o vírus da homossexualidade se espalhe".

Olha o homem no chão, vermelho, negro, e percebe que ainda respira. Ouve o ofegar gutural daquele ser contorcido e acredita que é o diabo. "Como é que ainda está vivo?", pensa. "Achei que ia levantar-se e matar-me." Então, troca de sapatilhas e salta, uma, outra e outra vez sobre a cara de Castro, e despe-o. Agarra num saca-rolhas e corta-lhe os lábios e uma orelha. Rasga-lhe o escroto repetidas vezes.

Carlos Castro está vivo quando ele o arrasta pelo chão, espalhando sangue até à janela. Com as mãos, retira-lhe os testículos. Contará que as vozes que o guiam nesta missão ordenam-lhe que corte os pulsos "para se salvar". Depois, dizem-lhe para colocar os testículos nos pulsos e "absorver o seu poder", como se fossem um talismã.

Após o ataque, Renato fecha as cortinas. Arranca o fio do telefone e retira a bateria do telemóvel do amante. Cobre o corpo com um edredão. Toma duche, põe gel no cabelo e veste o fato Versace novo. Tira 1 647 dólares da carteira do amante, agarra no passaporte e na carteira. Antes de sair do quarto, guarda, no bolso, o seu porta-chaves com as palavras "Mr. Perfect" (Sr. Perfeito). Na porta, coloca o sinal "Do Not Disturb" (Não incomodar).

A loucura

No elevador, às 18 e 21, cruza-se com um homem e uma criança. No hall, encontra Vanda e a filha, Mónica. "Hesitante", como se estivesse "num torpor", Renato diz-lhes: "O Carlos não sai mais do quarto."

Junto à Penn Station, entra num táxi e pede: "Leve-me a um bom hospital." Minutos depois, pergunta ao motorista onde é que Nova Iorque guarda o seu lixo e solicita-lhe que sintonize a rádio numa estação de notícias. A defesa diz que o jovem procurava mensagens ocultas. A acusação acredita que tentava mudar para o plano B, o da insanidade. "Ainda estava a pensar se tinha tempo de voltar atrás e livrar-se do corpo."

No Hospital Roosevelt, é levado, de imediato, para observação. Às 22 e 10, o taxista ouve, na rádio, a descrição de Renato e liga para o 911. Por essa altura, uma multidão começa a chegar ao quarto 3416: primeiro um segurança, depois a polícia e os bombeiros e, ainda nessa noite, a procuradora, Maxine Rosenthal. São tiradas fotografias do quarto, feitas análises de ADN, entrevistadas testemunhas. No hospital, Renato confessa o crime.

Já todos sabem quem, e como, matou Carlos Castro. O grande mistério é: o que se passou na cabeça do jovem? São contratados especialistas (dois pela defesa, um pela acusação) que, durante horas, interrogam Renato. Fazem-lhe centenas de perguntas, sujeitam-no a uma dezena de testes e concluem, mais tarde, que diz a verdade.

Nas semanas seguintes, os médicos dos hospitais Roosevelt e Bellevue e da prisão de Riker's Island medicam-no à força. Apesar disso, veem-no a fazer flexões, despido e algemado a uma cama, a pedir a enfermeiras que se deitem com ele ou que o tratem por "Abacaba". Assina "Jesus", na lista da biblioteca, e surge vestido de cuecas e com um lençol ao pescoço, como se fosse um super-herói.

Os especialistas da defesa diagnosticam-lhe "desordem bipolar", agravada por um "episódio maníaco". O psicólogo da acusação encontra uma "desordem de personalidade não especificada". Mas perturbações mentais não o tornam inimputável: segundo a lei americana, é preciso provar que ele não sabia que os seus atos estavam errados.

O veredito

Quando o julgamento começa finalmente, a 5 de outubro deste ano, torna-se uma "batalha de especialistas", segundo a procuradora. Os três homens são questionados, em depoimentos que chegam a durar mais de quatro dias, sobre o que se passou na mente de Renato. A questão não tem uma resposta definitiva. Os jurados, nos corredores, mostram-se exasperados.

Maxine Rosenthal vai desaparecendo dentro dos seus monocromáticos conjuntos saia-casaco. No início do julgamento, o advogado de defesa, David Touger, aproveita cada oportunidade para influenciar o júri. Numa conversa com jornalistas, chega a dizer que "Renato pôs na boca os testículos de Castro" e a descrição surge nas páginas do tabloide The New York Post, mas, nos últimos dias, as suas palavras perdem vigor.

Oito semanas depois, defesa e acusação apresentam as alegações finais. Ambas apelam ao senso comum do júri. Rosenthal garante que a "atuação" do jovem é "digna de um Oscar". Touger encena o crime, ruidosamente, e pede aos doze americanos do júri que imaginem "um jovem, que todos descrevem como calmo e educado, em pé, no meio do quarto, com os braços esticados e os testículos sangrentos de Castro nas mãos".

O júri reúne. Se a decisão não for unânime, o julgamento terá de recomeçar. Seis horas depois, um papel chega à sala de tribunal. O funcionário lê que o júri chegou a um veredito e exclama: "A sério?"

Todos se ajeitam no banco. A sala enche-se. Renato entra, depois de duas semanas de ausência voluntária. Alguns jornalistas tentam filmar o momento e são expulsos. A porta-voz do júri levanta-se. Quando o juiz pergunta se chegaram a um veredito, está a chorar e soluça: "Culpado."

Seabra não reage. Uns minutos depois, olha para a mãe e ela estica uma mão na sua direção, pedindo-lhe calma. Quando é levado pela polícia, acena-lhe com a cabeça, como fez em todas as sessões. Odília coloca as mãos em posição de oração, encosta os dedos aos lábios, e envia um último beijo ao filho.

Fonte: Visão

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