Odília Pereirinha caminha como um sonâmbulo, como se a qualquer passo pudesse cair na realidade, que evita. Sabe que perdeu o filho, Renato Seabra - ou melhor, que o filho se perdeu dele próprio e nunca voltará a ser o mesmo.Em entrevista ao SOL, a enfermeira, de 53 anos, recorda a rápida sucessão de acontecimentos dos últimos meses. Quando saiu de Portugal na companhia de Carlos Castro, Renato ia embalado pela convicção de que em Nova Iorque realizaria o seu sonho na moda. Algo que começou por não agradar a Odília, que cresceu numa família humilde e se habituou a lidar com a vida sem ilusões. Também muito jovem tropeçou no seu sonho e fez tudo para o cumprir: chegou a enfermeira e especializou-se em obstetrícia. Já trouxe mais de três centenas de crianças ao mundo e agora não sabe qual a sorte da sua. No dia 1 de Fevereiro, Renato Freitas será presente ao Supremo Tribunal de Manhattan. Depois, os jurados decidirão entre a pena perpétua ou uma menos pesada.
Ao longo da conversa, por vezes cala-se. Defende-se, tentando cumprir a ordem do advogado americano, de silêncio na comunicação social. Mas conta os telefonemas do filho, o pedido de ajuda que este lhe fez antes da morte de Carlos Castro e como até já lhe tinha marcado viagem de regresso a Portugal, para esse mesmo dia.
Para pagar a defesa do filho, Odília vai desfazer-se do pouco que conseguiu conquistar: a casa, o carro, o que houver. Não lê jornais, muito menos vê televisão, para evitar regressar ao dia em que a notícia de que Renato era o autor do homicídio de Carlos Castro pintou a negro os seus dias.
Como reagiu o Renato quando a viu?
Abraçou-se a mim e só dizia:«Mãe, preciso muito de ti, preciso muito de ti». Repetiu isso várias vezes. Está em choque, não tem um discurso coerente, tem paragens. Está pálido, muito magrinho, parece um mendigo.
Perguntou-lhe o que se passou?
Não. Se quisesse falar, ele falava. Eu apenas o abracei muito. Ele precisava de sentir que a mãe, que sempre lhe deu tanto amor, carinho e segurança, estava ali com ele.
Estava ferido?
Tem uns ferimentos profundos nos pulsos. Não foi cosido mas tem o tecido morto à volta dos golpes, devido ao tempo que esteve sem assistência.
Tentou suicidar-se?
Não sei, ele não me disse.
Como é o hospital?
O Renato está numa cadeia dentro do hospital. É horrível, é de uma desumanização atroz. No dia 10, fui lá acompanhada pelo advogado e por um amigo, mas só deixaram entrar o advogado porque a visita dos familiares tem dias determinados. Inclusivamente, na primeira vez, fui ao terminal dos utentes e não aparecia o nome do Renato. Cheguei a Nova Iorque no dia 8. O cônsul, António Pinheiro, recebeu-me na segunda-feira de manhã, mas não me deu a ajuda de que precisava, que era porem-me em contacto com o meu filho e levarem-me ao hospital. A preocupação dele era o que é que eu ia dizer à imprensa, que estava à porta. Ora, uma pessoa que fala mal inglês e não conhece rigorosamente nada em Nova Iorque, como eu, precisava de outra ajuda. Foram horas de muito sofrimento. Não há palavras. Estou a viver um pesadelo, assustador.
Contactou a Polícia?
Não, os meus amigos já tinham feito diligências para encontrar um advogado e foi ele que me pôs em contacto com o Renato.
Por que voltou logo para Portugal?
Tenho de voltar a trabalhar. E vou ter de vender a casa e o carro, para ter recursos financeiros para salvar o meu filho. As quantias são exorbitantes e os prazos são curtos.
Em pequeno, o que é que o Renato queria ser?
Ele desde sempre gostou de desporto. É um atleta: pratica basquete, andebol, futebol, natação, ténis, voleibol. Quando fez o 12.º ano, eu queria muito que ele fizesse antes ciências farmacêuticas, mas ele dizia que, para estar feliz, tinha de estar ligado ao desporto e daí ter tirado ciências do desporto. Tinha laços de grande afectividade e amor com a família - não do pai, porque o pai foi para o Algarve e abandonou-o com cinco anos, estava ele na segunda classe. Mas ele cresceu feliz porque sempre fui uma mãe muito presente, sempre fiz o possível e o impossível pelos meus filhos.
Como nasceu o desejo de ser modelo?
Penso que nasce do convite dos Esticadinhos, o grupo folclórico da terra, que uma vez por ano organizava desfiles com as casas comerciais de Cantanhede. Tanto as lojas, como o público e os colegas, achavam-no bonito e com aptidão para fazer passagens. Em Julho do ano passado, fiquei muito surpreendida quando ele me disse que se tinha inscrito no programa À procura de um sonho [da SIC, para encontrar jovens modelos]. Na altura, não gostei porque era um mundo que não me dizia nada, muito promíscuo. A 5 de Julho, contactaram-no para o casting e eu fui com ele ao Porto e a todas as eliminatórias. Quando vi aquela multidão de jovens, uns seis mil, nunca pensei que ele fosse seleccionado. Aquilo era stressante e ele vinha magro, mas via a felicidade estampada nos olhos dele. Aí, fiz as t-shirts e os cartazes, e dei-lhe todo o apoio que ele precisou até à final.
O Renato chegou a ir a castings da Fátima Lopes?
Sim, mas foram em vão. Chegava triste e desapontado a casa porque eram muitos jovens. Ele tinha noção de que seria muito difícil vencer no mundo da moda.
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