segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

João Duque: "Como funcionário público espero ainda mais dois cortes de 10% no ordenado"

Do ponto de vista da economia, as previsões do Governo insistem num crescimento de 0,2% e o Banco de Portugal tem muitas dúvidas, aliás, indica uma contracção de 1,3%. Como é que pode haver uma diferença tão grande?

É a liberdade!

E qual destas previsões está mais de acordo com a sua análise?

A minha leitura, quando vi a previsão do Banco de Portugal, foi só?! E porquê? Porque o Banco de Portugal está a prever uma quebra do consumo privado muito mais acentuada do que o Governo, e eu estou muito mais em linha com essa perspectiva. Eu tendo a confiar mais no Banco de Portugal, porque, nomeadamente, a qualidade dos seus cientistas que estão no gabinete de estudos dá provas no mercado internacional. Coisa que não é conhecida no Ministério das Finanças, primeiro. Segundo, no que diz respeito ao consumo privado, não há a mínima dúvida de que me parece muito mais razoável, face ao aumento do IVA e face à redução dos salários, que o impacto previsto no consumo seja maior do que aquilo que está previsto pelo Governo. No consumo público, curiosamente, o Governo tem uma aspiração maior em termos de quebra, prevê uma quebra de 8,8%, o Banco de Portugal só lhe reconhece uma capacidade de quebra de 4,6%. No investimento, o Banco de Portugal é muito mais pessimista, com uma quebra de 6,8%, que está mais de acordo com aquilo que têm sido as taxas de juro de mercado... E, depois, o diferencial de exportações, em que o Banco de Portugal também é mais conservador.

E em que medida é que isso pode afectar o cumprimento do défice para 2011?

Pois, aí temos um problema. Eu estou a fazer uma análise puramente estática e não dinâmica, que é depois recursiva. É que, depois, uma quebra desta natureza terá efeitos também na própria dinâmica do investimento, da receita, das receitas públicas por via dos impostos, e por aí fora, portanto, um reajustamento no próprio saldo. Qual é que vai ser, admitindo por aquilo que foi o resultado deste ano, a solução do Governo? Pegar num chapéu de mágico e tirar de lá mais uma coelhada, que é mais um fundo de pensões para tapar mais um buraco, e chegar ao fim do ano e dizer: "Estão a ver? Nós cumprimos o saldo", sem fazer coisa nenhuma!

Esse instrumento de trabalho, digamos assim, foi utilizado também por Manuela Ferreira Leite no Governo de Durão Barroso. Como é que analisa e como é que qualifica o recurso a essa última instância?

Isto é o resultado de uma errada contabilização daquilo que são despesas, encargos, digamos, presentes ou futuros do Estado. Porque trazer para a responsabilidade do Estado todos os funcionários da Portugal Telecom...

Mas era uma aspirina que, neste caso, não podia deixar de ser tomada?

Nem acho que seja uma aspirina, isto não é coisa nenhuma! O que nós fizemos foi transferir activos e passivos que, se estiverem bem calculados, são iguais. Numa empresa, receber activos e receber passivos não muda nada os resultados. No Estado, receber activos reconhece-se que é uma receita, um proveito, mas os passivos esquecem-se. Vamos fazer flores a dizer que tivemos um saldo menor!

Acha que há muita maquilhagem ainda nas contas portuguesas?

Seguramente. Então não há? Então isto é mudar um défice?!

Essas são maquilhagens que estão à vista. Haverá a possibilidade de outras?

Com certeza que há. Por exemplo, um Estado, em vez de comprar um equipamento, consegue fazer um contrato de leasing, e depois considera que as prestações pagas pelo contrato é que são as despesas. A alternativa o que era? Era comprar tudo. O que também está errado, porque quando o Estado incorpora nos seus activos um bem que dura dez anos de vida considera que é uma despesa daquele ano, também não tem o conceito de amortização. Portanto, há uma quantidade de artificialismos nas contas públicas que era bom que acabassem de vez e que fizessem como nas empresas.

Houve momentos, entre 2009 até hoje, em que o Governo várias vezes tentou iludir a crise. Agora, parece empenhado, desde o último PEC negociado com o PSD, num efectivo combate à situação do País. Acredita que estamos no bom caminho com este pacote de medidas que se conhecem ou isto ainda é o começo de um percurso?

Isto é um começo, claramente. Da minha parte, já estou farto de dizer aos meus colegas, como funcionário público e que felizmente, enfim, venço valores que vão ser afectados pelo corte de dez por cento, estou à espera de mais dois cortes. Se começarmos assim, se não vier mais nenhum, se só vier um, já fico feliz.

Não está a fazer ironia? Está a ser realista? Está à espera de mais dois cortes?

Não, estou a ser realista! Eu estou à espera, eu, pessoalmente, eu, João Duque, sou professor catedrático, tenho um vencimento que vai ser afectado à taxa de dez por cento, estou à espera de mais dois cortes até se resolver a situação do País!

Até 15% ou 20%?

Não! Dois cortes de 10% acima, em cima destes!

E isso é sustentável socialmente? Sem pagarmos custos disto na tranquilidade que normalmente anima as ruas em Portugal?

Pois, se calhar não é. As pessoas podem reclamar o que entenderem, mas não vale a pena. Nós podemos vir para a rua, mas do céu não vai cair o maná! Eu, por isso, nem venho para a rua. Vou tentar fazer outras coisas se quiser ganhar mais!

E vamos pagar esse preço de reeducação das nossas despesas, das nossas receitas, durante quanto tempo? Uma década?

Eu, nestas coisas, preferia que fosse mais depressa do que de forma lenta. Uma forma muito rápida de reajustamento pode ser muito dolorosa, mas dá esperança. E há uma coisa que Portugal está a perder, que é uma geração de jovens que estão a sair, muito competentes, das universidades, com 25 anos. E você não pode dizer a ninguém com 25 ou 30 anos: "Espera dez anos para que isto melhore!" E, portanto, pessoalmente, tenho 50, prefiro que o golpe seja mais duro em pouco tempo. Se calhar uma pessoa com 70 terá a ideia contrária. Mas, na sustentação do País no longo prazo, acho que é preferível fazer um corte duro, rápido, para segurar aqueles que são a energia e que são o futuro de Portugal, que não são os anciãos! São os mais jovens! Já não sou eu, é a geração que está a sair para o mercado de trabalho. Quanto mais depressa atacarmos o problema, e com rapidez... Por isso estou à espera de que nos próximos dois ou três anos me cortem 30% do salário. Não é porque ganhe muito, é porque pura e simplesmente vai ser necessário fazer cortes muito significativos na despesa pública e eu sou funcionário público. E se me disserem "olha, a alternativa a perderes 30% é a rua", eu tenho de fazer a minha opção.

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