Uma máquina de escrever é um milagre de concisão. Ao contrário de um computador, não precisa nem de ecrã, nem de fonte de alimentação, nem de software.
Desde que Michel Foucault inaugurou o campo de estudos da arqueologia da modernidade que olhamos de uma forma diferente para o que antes era considerado apenas obsoleto. Agora, sempre que surge uma novidade, o último grito de qualquer coisa, olhamos com alguma mágoa para o que fica para trás. O novo modelo é mais perfeito, mas talvez por isso mesmo o antigo tenha um encanto especial.
Tal como o consumismo gerou o seu contraponto - os movimentos verdes, o dia sem compras, etc. -, a vertigem tecnológica gerou um novo sentimento de nostalgia pelo passado recente. Quando apareceram, os relógios digitais japoneses foram revolucionários e fizeram furor. Mas logo a seguir houve uma reabilitação dos relógios com ponteiros. Recentemente, os digitais voltaram a ser moda:não por serem super-modernos como outrora, mas antes enquanto objecto de uma repescagem revivalista.
A primeira máquina de escrever com que tive contacto foi uma Olivetti Valentine. Não bati trabalhos académicos à máquina porque na altura já havia computadores, mas sempre me deu um gozo especial pôr uma folha em branco no cilindro e escrever o que me viesse à cabeça. Por mais de uma vez pude testemunhar que o texto que sai de uma máquina de escrever é diferente do que sai do teclado de um computador.
Com as suas linhas elegantes e a caixa de transporte em plástico encarnado, a Valentine é hoje uma peça de design com direito a um lugar em museus de arte moderna. Só percebi por que se gabava tanto de ser portátil anos mais tarde, quando numa feira da ladra do Porto comprei uma máquina de escrever convencional e tive de a carregar durante cerca de uma hora. Aos poucos, fui adquirindo outros modelos e sempre que vejo uma à venda numa loja ou numa feira de velharias tenho a sensação de que é um bom negócio. E talvez seja: Tom Hanks, por exemplo, possui uma colecção invejável destes instrumentos.
Hoje, quando olho para uma máquina de escrever como a Valentine, parece-me um milagre de concisão. Enquanto um computador tem teclado, monitor, fonte de alimentação, impressora..., a máquina de escrever junta todas essas funções num mesmo objecto: a energia é fornecida pela pressão dos dedos sobre as teclas e o monitor é a própria folha de papel.
Este fascínio pelas máquinas de escrever, percebi-o recentemente, estende-se mais ou menos a tudo quanto seja tecnologia em vias de extinção (até às lâmpadas incandescentes, que há poucos dias soube que iam acabar). Poderia falar do som relaxante, semelhante ao de um aspirador silencioso, de um projector de slides; da forma irregular como um leitor de cassetes vai girando; do prazer de comprar um rolo de película fotográfica. Não sei explicar, mas em todas essas coisas há algo de reconfortante.
jose.c.saraiva@sol.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário