segunda-feira, 25 de abril de 2011

Crédito Bancário: Filho Bastardo da Revolução?

Após o 25 de Abril, e com adesão de Portugal à CEE, o consumo massificou-se, as taxas de juro baixaram e os portugueses habituaram-se a empréstimos fáceis e baratos. Hoje as regras do jogo estão a mudar outra vez.

Trinta e sete anos depois, as restrições temporárias à movimentação do dinheiro que tinha no banco, após o 25 de Abril, ainda estão bem vivas na memória de Manuel João. Hoje, aos 61 anos, o empresário agrícola da região Oeste lembra os momentos de aflição que viveu até ao início de 1975, quando a situação começou a normalizar.

«O que vale é que, naquela altura, tínhamos quase todos o hábito de ter algum dinheiro em casa», relata ao SOL o agricultor, frisando que «na época não havia multibanco, o uso do cheque ainda era pouco generalizado e os bancos sempre tiveram horários curtos, não funcionando à tarde e fim-de-semana».

Outro fenómeno que afectou o sistema bancário no pós-Revolução foi a quebra acentuada de depósitos, devido à desconfiança. A situação só se começou a inverter com a nacionalização da banca, em 1975.

Exceptuando as instituições estrangeiras e as caixas económicas da Madeira e dos Açores, todos os bancos e companhias de seguro passaram a ser do Estado. Com a nacionalização da banca - e com o objectivo de incentivar a poupança e proteger as instituições menos eficientes -, as taxas de juro dos depósitos foram regulamentadas. Havia ainda uma taxa máxima para os créditos, para prevenir a usura, já que as taxas dos empréstimos ultrapassavam os 20%.

Logo em 1974 o Banco de Portugal impôs restrições ao crédito. Durante vários anos, os bancos emprestavam em função dos limites traçados pelo banco central e não em função dos valores que maximizariam os lucros.

A regulamentação das taxas de juro persistiu até ao início dos anos 90, com a implementação da nova lei bancária baseada na 2.ª Directiva Bancária da União Europeia. Três anos antes, logo após a liberalização do mercado bancário, a corrida dos bancos à concessão de crédito começou a visar os ganhos. E foi então que se começou a assistir a uma explosão do crédito e do consumo privado, que durante anos foi utilizado como uma das alavancas da economia.

«Os padrões de consumo evoluíram em Portugal no pós-revolução e começaram depois a massificar-se pela pressão social e pelas necessidades de produção em larga escala», analisa a economista Aurora Teixeira.

Este aumento do consumo, «que se acentuou em Portugal nas últimas décadas, foi desproporcional ao desenvolvimento económico», defende João Salgueiro. Para o ex-presidente da CGD e ex-ministro das Finanças, «criou-se um problema cultural e sociológico em que as pessoas só pensam em viver o presente, esquecendo-se de acautelar o futuro, mas isso vai ter de mudar, dada a actual situação deficitária do país».

A competição entre os bancos aumentou, sobretudo, com a adesão à CEE. Com a descida de aforro a que se começou entretanto a assistir, devido à quebra substancial das taxas de juro nos depósitos (0% em 1995, por exemplo), os bancos viram na concessão de empréstimos uma forma de aumentar os ganhos.

O financiamento bancário para a aquisição de bens começou pela compra de habitação - que continua a ser a principal despesa de investimento nos orçamentos familiares. Mas rapidamente se alastrou a outros bens e serviços, como carros e viagens, até atingir um financiamento indiscriminado a todo o tipo de consumo, como compra de jóias ou alimentação.

Em termos históricos, o crédito a particulares tem trazido uma melhor rentabilidade ao sistema bancário do que o crédito às empresas, sendo praticado com taxas superiores para montantes menores. Por outro lado, o risco está disperso por uma maior base de clientes, há uma garantia patrimonial concreta e o cliente é fidelizado para adquirir outros produtos.

Mas, para suprirem os seus próprios créditos, os bancos foram forçados a endividar-se lá fora, agravando o actual nível de endividamento externo do país (famílias, empresas e Estado).

Hoje, perante a evolução negativa da conjuntura económica, os bancos estão a dificultar o crédito, aumentando os prémios de risco para valores que cubram os custos de suportar a sua actividade. O presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), António de Sousa, já alertou que «a contracção do crédito vai afectar a economia portuguesa em geral, muito dependente do financiamento bancário», salientando que «não há outra solução».

Fonte: Sol.sapo.pt

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