domingo, 7 de outubro de 2012

Descubra as diferenças Os caminhos alternativos da austeridade

A crise não veio com manual de instruções. Em França, combate-se o desemprego, pondo travões aos despedimentos; em Portugal facilitam-se. Muitos países baixaram os impostos; outros, como o nosso, aumentaram a carga fiscal. Mas nem somos nós o exemplo acabado das más práticas nem nenhum Estado tem a estratégia perfeita. Há, no entanto, alternativas a este sufoco. Fomos à procura delas.

Podíamos ter um défice público de 8,6 por cento.

Podíamos ter reduzido o desemprego, ao mesmo tempo que aumentávamos os salários e os benefícios para os trabalhadores. A produtividade subia e, num ano, a economia saltava da recessão para o crescimento. Claro que era preciso investimento estatal e obras públicas, para impulsionar as atividades económicas, dinheiro conseguido à custa do aumento da dívida. Ainda assim, veríamos a luz ao fundo do túnel.

Podíamos ter feito tudo isto se fossemos o país mais rico do mundo. Mas não nos chamamos Estados Unidos da América.

Muitos erros foram cometidos na nação de Barack Obama, depois da crise iniciada em 2008. Por cima de tudo sempre pairou um sentimento de injustiça por muitos dos grandes responsáveis por aquela hecatombe mundial continuarem com a vidinha de sempre. Gastouse acima de todas as possibilidades para amparar a queda dos gigantes financeiros, vítimas de si próprios.

No fim, houve algo que compensou.

Seria a reposição do poder de compra dos mais pobres, com o aumento do salário mínimo? A diminuição de impostos para as empresas? O aumento do investimento público na saúde, na educação e nas infraestruturas? As facilidades dadas às pequenas empresas para acederem ao crédito? Tudo o que Portugal não fez.

Aqui, veio a receita foi a austeridade.

Cada país tem as suas realidades e as suas contas, mas não há razão para não olharmos para fora, tentando descortinar algumas (boas) soluções para a nossa atual crise. Temos uma dívida enorme (que chegará aos 124% do PIB em 2013), um défice descontrolado (ou só controlado à custa de receitas extraordinárias que se vão inventando), uma economia moribunda, mas ainda conseguimos reagir quando nos aumentam os impostos.

SIDRA EM VEZ DE CHAMPANHE 

Na França, também aumenta a carga fiscal, mas o alvo não é bem o mesmo que em Portugal. A medida mais simbólica do Orçamento apresentado por François Hollande é a criação de uma taxa de 75% para rendimentos profissionais superiores a um milhão de euros anuais.

Já quem ganha acima de 150 mil euros por ano vai ter uma taxa marginal de 45% que, juntando às contribuições para a Segurança Social e outros impostos, acaba por chegar aos 62,2 por cento.

"Estamos muito longe de chegar a este ponto", compara José Castro Caldas, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. "Tributar rendimentos extraordinários tem algum efeito orçamental. Pode, por exemplo, usar-se como instrumento de política de redistribuição de rendimento, financiando-se dessa maneira o Rendimento Social de Inserção e o subsídio de desemprego.

O impacto macroeconómico é importante, pois está a atribuir-se poder de compra a uma parte da população que não o tem", continua este doutorado em Economia.

Há um perigo, claro, o da fuga das grandes fortunas. "Os franceses estão pouco preocupados com essa chantagem e fazem bem porque, normalmente, tal não passa de ameaça. No entanto, uma medida dessas pode ser acordada no seio da União Europeia, não sei porque não existe uma harmonização fiscal", observa Castro Caldas.

Estas altas taxas têm outro efeito: carregam um simbolismo. A classe média e os mais pobres ficam com a ideia de que não pagam a crise sozinhos, ao contrário do que acontece em Portugal. Aliás, o Orçamento do Estado para 2013, cozinhado pelos socialistas franceses, está repleto de medidas simbólicas.

Exemplos: descida de 30% dos salários do Presidente da República e dos ministros; número de colaboradores de cada ministro limitado a 15; redução da frota de carros oficiais do Governo, que passou de 117 para 91; remuneração de dirigentes de empresas públicas limitada a um máximo de 450 mil euros por ano... Finalmente, deixou de se servir champanhe em certas receções no Eliseu agora bebe-se sidra.

Para o combate ao desemprego, Hollande tem duas propostas: uma, já aprovada pelo Senado, passa pela criação de 150 mil postos de trabalho, subsidiados pelo Estado, para jovens com poucas qualificações; a outra consiste em aumentar o valor das indemnizações por despedimento. "A ideia é encarecer de tal ordem os despedimentos que não compense às empresas fazê-los", afirmou o ministro do Trabalho. 

MEDIDAS ALTERNATIVAS 

Na Alemanha, houve acordos sociais entre patrões e trabalhadores para reduzir o tempo de trabalho e as horas extraordinárias, como forma de promover o emprego.

O país de Angela Merkel, defensor primeiro da austeridade para os Estados do Sul da Europa, respondeu à crise financeira, em 2009, reduzindo os impostos e as contribuições sociais tanto aos empregadores como aos trabalhadores.

Já a Espanha, que, numa primeira fase, quis enfrentar a crise com medidas expansionistas (aumento das indemnizações por despedimento, aceleração do investimento em obras públicas e redução de impostos para pequenas empresas que não despedissem), acabou por sucumbir aos mercados. Agora, vemos os espanhóis na rua contra as medidas de austeridade. O desemprego chegou aos 24,6% (cerca de 4,7 milhões de pessoas).

Nem a economia nem a banca de Espanha aguentaram a "fuga para a frente".

Mas entre o congelamento dos salários dos funcionários públicos (e a supressão do subsídio de Natal deste ano) e o aumento do IVA (de 18% para 21%), o Governo tenta travar a subida dos combustíveis, negociando com as petrolíferas uma medida sem impacto orçamental mas de grande importância para a vida do povo.

"A negociação com as farmacêuticas, para baixar os preços dos medicamentos, teve resultados, o que mostra que, quando há vontade política, muita coisa se pode conseguir", refere Castro Caldas.

"Em Portugal, a inação do Governo é notória. Há, de facto, medidas pequenas que podiam apontar para um rumo", critica José Reis, diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

E enuncia: "Primeiro: reposição imediata das mais grosseiras reduções dos rendimentos do trabalho; a economia pagá-las-á com crescimento. Segundo: compromisso com a manutenção dessa base remuneratória por cinco anos.

Terceiro: incentivo poderoso, através de certificados do Tesouro garantidos, à poupança dos que podem poupar, em vez da submissão patética do financiamento do Estado aos 'mercados'. Quarta: aposta deliberada em soluções de consumo, de mobilidade, de produção e trabalho, de qualificação das pessoas e de crédito sustentáveis, equilibradas e frugais, feita através de uma política urbana e de pequenos centros no espaço rural, o que implica um contrato radicalmente novo com as autarquias (esta é a única 'austeridade' que faz sentido). Quinta: intensa renovação da capacidade exportadora, através de acordos positivos, baseados na facilitação da ação empresarial e num compromisso com o emprego e os trabalhadores. Sexta: negociação, no plano europeu, de um programa de investimentos públicos politicamente assumido como um compromisso com a Europa, baseado na coesão social e na inclusão do povo e na salvaguarda do seu direito a uma vida digna."

O PROBLEMA DAS CAPELINHAS 

O combate à crise não se limita, no entanto, a medidas que impliquem gastar dinheiro. O corte na despesa do Estado, nas "gorduras desnecessárias" era, aliás, a grande promessa de Pedro Passos Coelho.

No final de maio de 2010, o economista João Cantiga Esteves, professor de Finanças no ISEG, deu uma entrevista à VISÃO na qual contabilizava em cerca de 14 mil o total de entidades que recebia, direta e indiretamente, dinheiros públicos.

E concluía que "o Estado não sabe o que tem, nem onde gasta". Passados mais de dois anos, com um novo Governo em exercício e com o País intervencionado pela troika, perguntámos-lhe o que mudou. A resposta foi uma monumental gargalhada. "É inquietante perceber o quão difícil é atuar energicamente numa área onde é imperativo fazê-lo. E o problema mantém-se: o Estado continua a não saber onde gasta, logo, continua a não saber onde pode poupar. Tirando, agora, estas iniciativas, nomeadamente na área das fundações, mas com resultados muito limitados, e pouco mais, já passou um ano e meio desta governação e nada..." Na execução orçamental de setembro, o resultado está à vista: a despesa efetiva do subsetor Estado cresceu 1,1 por cento.

Mesmo com os grandes cortes nas despesas com o pessoal (redução de salários e subsídios). "Há uma dificuldade enormíssima em ir ao fundo, ao detalhe, ao pormenor. O Governo centra-se nos grandes números, pois é muito mais fácil aumentar IVA, IRS, etc. Sempre foi assim, mas não pode continuar a ser. Tem de se poupar nos detalhes, um milhão aqui, outro ali", insiste Cantiga Esteves, que avança uma explicação para a inação governamental: "Tudo isto mexe com muitos interesses instalados, que vão do pequeno ao médio e ao grande. Há uma resistência fortíssima à mudança e ninguém quer sair da sua zona de conforto." A presença da troika em Portugal, considera o economista, não dá garantias de que se altere este estado de coisas.

"A troika concentra-se apenas nos grandes números e não se quer meter nestas coisas, que são nossas. É imperativo que o Governo lance publicamente o desafio aos ministérios, secretarias de Estado, direções-gerais, câmaras municipais, governos regionais, institutos públicos, fundações, etc., para apresentarem, no prazo de duas a três semanas, as suas propostas de redução de despesa. E, com as propostas nas mãos, vincular essas entidades.

Com isso percebe-se quem está disponível para contribuir para a solução do problema. A alternativa é explicar muito bem aos portugueses porque é que cada uma das capelinhas é intocável." Para João Cantiga Esteves, "o que é exigido aos dirigentes, em tempos de crise como o que vivemos, é que governem sem dinheiro". "Isso é que é habilidade. Governar com dinheiro é fácil. Apliquem-se!"

DUAS DROGAS

Mas chegamos sempre ao mesmo ponto: a economia cresce sem dinheiro, sem o empurrão do investimento público? E onde vamos nós buscar os fundos para investir se já temos uma dívida gigantesca? "Não é pelo afluxo de investimento estrangeiro. Este, ao adquirir ativos portugueses, não cria emprego. As privatizações podem é criar mais desemprego", responde José Castro Caldas.

Para este economista, tendo em conta que "quase todo o défice orçamental é resultado dos juros pagos pela dívida", não há "outra possibilidade de viragem sem o alívio da dívida". Como? "A reestruturação da dívida pública vai acontecer mais tarde ou mais cedo. Queremos fazê-la enquanto há portugueses vivos ou esperamos pela iniciativa dos credores, quando o País estiver destroçado?", desafia. Reestruturar a dívida significa não pagá-la, pelo menos em parte, para libertar recursos para o investimento.

Mas, na Grécia, a reestruturação da dívida não parece estar a salvar o país. "Foi insuficiente. O Banco Central Europeu e os credores europeus foram poupados", justifica Castro Caldas. E acrescenta: "Sabemos que o que está a ser feito só pode piorar as coisas. Mas a alternativa também não é nem fácil nem milagrosa.

Nem indolor." Pode é ser mais rápida. O exemplo acabado é a Islândia. Em 2009, tinha uma recessão de -6,6% do PIB. Em 2011, estava com um crescimento de 2,6 por cento.

O que aconteceu lá? O povo, em referendo, disse, simplesmente, que não pagava as dívidas dos bancos (muito diferente da atitude da Irlanda e da Espanha). "Os bancos entraram em falência e o Estado interveio minimamente para salvar os depósitos dos residentes. É possível, num caso de falência bancária, tomar medidas para manter o sistema de pagamentos em funcionamento e garantir o crédito", explica o economista. A Islândia representou uma espécie de rebelião contra os mercados, um símbolo de um povo que já pouco tinha a perder.

Em Portugal, vai-se perdendo qualquer coisa. "Viu-se que, punindo rudemente os rendimentos do trabalho, se destrói a economia por falta de procura, se gera desemprego maciço, se leva empresas à falência, se arruína recursos...", afirma José Reis.

Ainda na semana passada, o Nobel da Economia Paul Krugman escreveu: "O que a Grande Depressão ensinou aos políticos, da pior forma, foi que dinheiro curto e austeridade orçamental eram realmente más ideias, em face de uma economia profundamente deprimida. Mas tudo isto foi esquecido, exceto pelos historiadores de Economia. A dívida é uma droga. Mas a austeridade também o é."

Fonte: Visão

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