O economista Jorge Landeiro de Vaz considera, em entrevista à Renascença, que a crise europeia está relacionada com a "ilusão de prosperidade".
O também professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, que lançou um livro sobre a crise, argumenta que há países na Europa que estão num "estado de ocupação política", incluindo Portugal.
O também professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, que lançou um livro sobre a crise, argumenta que há países na Europa que estão num "estado de ocupação política", incluindo Portugal.
Um artigo recente no “The Economist” admite o fim da Zona Euro. É possível evitar esta situação?
Penso que sim, mas o sistema financeiro e os mercados tinham de ser profundamente reformados, porque a origem da crise está em ambos. Existem quatro cavaleiros deste apocalipse e, se não forem atacados, podem levar ao colapso. Em primeiro, a concentração bancária, que promove a teoria do “to big to fail”, ou seja, não se deixam falir os bancos - nós levámos isso ao cúmulo, não deixando falir o BPN. Depois, os paraísos fiscais: aumentam a dívida pública, porque há fuga fiscal e branqueamento de capitais. Há ainda a questão da titularização e, por último, a desregulação do sistema.
Então o modelo europeu tem futuro?
O modelo europeu está a fazer um caminho. Neste momento, paira uma ameaça de catástrofe, porque há problemas por resolver, mas também não me parece que haja, da parte das entidades europeias, capacidade de os resolver. É um modelo em que o sistema financeiro e os mercados têm um papel fundamental e, enquanto isso não se alterar, o modelo tem em si os gérmenes da destruição. O problema não é apenas de um problema de dívida pública e privada, pois os bancos estão extremamente endividados, assim como as empresas e os particulares. É um problema de dívida geral: a origem da crise é o excesso de volume de crédito concedido à economia Estados, particulares e empresas.
Vivemos no fio na navalha. De quem é a culpa?
Não é propriamente uma questão de culpa. É uma questão modelo, que através do excesso de crédito criou uma ilusão de prosperidade assente em dívida, que alguma vez tinha de acabar. Ao longo do meu livro, alerto para a necessidade de haver limites para a dívida. A própria União Europeia tem nos tratados um limite para dívida soberana de 60% do PIB, que nunca deveria ter sido superado. O problema do líderes europeus, que aparecem todos ao dias a falar sobre a Europa, é que não estão a pensar nela, mas nos seus países. Não há uma estratégia, o que pode levar à tal desagregação.
O euro está em crise. Qual a maior ameaça?
Vivemos efectivamente a época da insustentável leveza do euro. A moeda única está em causa neste momento, porque os mercados estão persistentemente a especular contra as dívidas soberanas e as dos próprios bancos, pois estes ficaram sem crédito no mercado interbancário logo em 2008. A maior ameaça para o euro são os mercados: nos próximos meses, a França, a Itália e a Espanha vão colocar no mercado uma soma superior à do Fundo de Estabilização Financeira, 425 mil milhões e os mercados estão à espera disso para subir os juros e realizar milhões. Ao fazerem isso, tornam insuportável o financiamento das dívidas desses países. Se a Zona Euro acabar, a Europa deixa de contar como tal no concerto das nações. Seria péssimo para a geopolítica e geoeconomia do mundo. Até os Estados Unidos precisam da Europa face à emergência de outras potências.
A proposta franco-alemã de uma espécie de acordo Shengen para o euro, para acelerar o processo de integração fiscal e orçamental, que não vincularia todos os Estados, pode dar origem a uma Europa a várias velocidades?
A Europa a várias velocidades já existe. A partir do momento em que as agências de 'rating' classificam uns como 'lixo' e outros como 'triple A', em termos de acesso aos mercados financeiros já há uma Europa a várias velocidades. Por exemplo, a Portugal e à Grécia está complemente vedada a possibilidade de se financiarem.
São tempos difíceis para todos, mas em especial para alguns países. A presença da “troika” nos países em maior dificuldade é sinónimo de salvação?
Estamos numa fase histórica. Quando Klaus Regling, gestor do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, propôs que até ao reembolso de 75% dos créditos concedidos fique uma 'troika' permanente nos países que estão a receber ajuda, evidentemente que isto é um estado de ocupação política. Portugal já foi ocupado: 60 anos pelos espanhóis, alguns pelos franceses e ingleses. E agora fica sob a ocupação da União Europeia ou do Banco Central Europeu. Mas nem nós, nem a Grécia, nem a Irlanda conseguimos pagar os créditos. A economia não tem meios, mesmo reduzindo os povos à miséria.
Como vê a relação de Portugal com a União Europeia?
Infelizmente, começou a ser de mão estendida. Nós temos necessidade de cerca de 20 mil milhões de euros todos os anos de fluxos financeiros e não conseguimos produzir internamente - um défice que nos obriga a procurar financiamento externo. Se os mercados se fecham, porque a nossa dívida é considerada 'lixo', então só temos duas torneiras abertas: uma é a do Fundo de Estabilidade Financeira da Europa e outro é do Banco Central Europeu para os bancos.
Era inevitável pedirmos ajuda externa?
O resgate era inevitável, pois chegámos a uma situação de catástrofe e de insolvência. Acho que os governantes devem alterar o modelo económico e pedir à 'troika' que nos ajude neste processo, pois apenas estão a ser tratadas as questões financeiras e as económicas não se vêem em cima da mesa. Era importante que existisse um fundo para o desenvolvimento da economia, de forma a eliminarmos uma parte substancial da dependência exterior, pois importamos mais de metade do que comemos e importamos energia. Agora corremos o risco, com este pacote, de a economia colapsar.
É possível ao país dar a volta?
Se acontecer o milagre de haver muito petróleo, gás e riquezas naturais, que permitam à economia dar a volta, sim. Ou então negociarmos uma espécie de plano Marshall para apoiar o sector industrial e de produção agrícola. Lembro que a Europa subsidiou, em determinada altura, o fecho de fábricas como, por exemplo, as de açúcar de beterraba, que representavam 20% do nosso consumo, e o abate de barcos de pesca. Cereais já praticamente não produzimos e chegámos a ser quase auto-suficientes. Temos de alterar o nosso modelo económico radicalmente e eliminar a dependência face ao exterior.
Fonte: http://rr.sapo.pt
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