sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Irão e o mundo a caminho da guerra

Joschka Fischer
Enquanto a Europa continua preocupada com a sua própria crise em câmara lenta, e outras potências mundiais continuam a ser hipnotizadas pelo espectáculo bizarro dos inúmeros esforços das instituições europeias em salvarem o euro (e dessa forma o sistema financeiro global), nuvens de guerra concentram-se em massa sobre o Irão, uma vez mais.

Ao longo de vários anos, o Irão tem promovido tanto um programa nuclear, como também o desenvolvimento de mísseis de longo alcance, o que aponta somente para uma conclusão: os líderes do país estão empenhados em fabricar armas nucleares, ou pelo menos em alcançar a tecnologia até ao limiar, onde somente uma única decisão política é necessária para atingir esse fim.

A última linha de acção iria, sem dúvida, manter o Irão no âmbito do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), de que é signatário. Mas não pode existir nenhuma dúvida razoável sobre as intenções das autoridades iranianas. De outra forma, os programas nucleares e mísseis seriam um desperdício de dinheiro. Afinal de contas, o Irão não precisa de tecnologia de enriquecimento de urânio. O país só tem um reactor nuclear civil, com barras de combustível fornecidas pela Rússia, e a tecnologia iraniana que está actualmente a ser desenvolvida não pode ser utilizada nisso.

Mas o enriquecimento de urânio faz muito sentido para quem quer uma arma nuclear; na verdade, para esse propósito, o enriquecimento é indispensável. Além do mais, o Irão está a construir um reactor a água pesada, supostamente para fins de investigação, mas cuja existência também é necessária para fabricar uma bomba de plutónio.

O Irão, em violação do TNP, escondeu partes substanciais deste programa. O país também gastou milhões de dólares em compras ilegais, de tecnologias de enriquecimento e programas de armas nucleares, aos cientistas nucleares paquistaneses e ao negociante do mercado negro A.Q. Khan, o “pai da bomba paquistanesa”. O Irão tentou ocultar estas transacções durante anos, até que a sua máscara foi descoberta quando a Líbia começou a cooperar com o Ocidente e expôs a rede de Khan.

Um Irão munido com armas nucleares (ou uma decisão política para as possuir) alteraria, drasticamente, o equilíbrio estratégico do Médio Oriente. Na melhor das hipóteses, uma corrida ao armamento nuclear ameaçaria consumir esta região, já instável, o que colocaria em risco o TNP, com extensas consequências globais.

Na pior das hipóteses, as armas nucleares serviriam a política externa “revolucionária” do Irão na região, que tem sido aplicada pelos líderes do país desde o nascimento da República Islâmica em 1979. A combinação de uma política externa anti-status quo com armas nucleares e mísseis é um pesadelo não só para Israel, que pelo menos tem capacidade de segunda ofensiva, mas também para os vizinhos árabes não-nucleares do Irão e para a Turquia.

De facto, os países do Golfo, incluindo a Arábia Saudita, sentem-se existencialmente mais ameaçados pelo Irão do que Israel. O perfil de segurança da Europa mudaria, também drasticamente, caso o Irão possuísse ogivas nucleares e mísseis de longo alcance.

Todas as tentativas de negociação não levaram a lugar nenhum, com o Irão a continuar a enriquecer urânio e a melhorar a sua tecnologia nuclear. As sanções, apesar de úteis, só funcionam a muito longo prazo e uma mudança no equilíbrio de poderes dentro do país não se prevê a curto prazo. Sendo assim, trata-se só de uma questão de tempo, e não muito tempo, até que as nações vizinhas do Irão, e a comunidade internacional, se confrontarão com uma fatídica escolha: ou aceitam o Irão como uma potência nuclear, ou decidem que a mera perspectiva, à medida que se torna mais realista, está a conduzir à guerra.

O presidente Barack Obama já deixou claro que os Estados Unidos não aceitarão o Irão como uma potência nuclear, em nenhuma circunstância. O mesmo também se aplica para Israel e para os vizinhos árabes do Irão no Golfo.

O próximo ano promete ser crítico. O governo israelita sugeriu, recentemente, que o Irão atingiria o limiar nuclear num prazo de nove meses e que poderia tornar-se numa grande questão, na longa corrida eleitoral à presidência norte-americana, em Novembro de 2012. E é difícil de imaginar que o actual governo de Israel ficará impassível enquanto o Irão se torna numa potência nuclear (ou numa quase-potência nuclear).Por outro lado, falar de intervenção militar, a qual, dadas as circunstâncias, resumir-se-á largamente aos ataques aéreos é barato. Há sérias dúvidas sobre a possibilidade do programa nuclear iraniano ser eliminado por meio aéreo. Na verdade, com a probabilidade de grande parte do mundo condenar qualquer ataque, a intervenção militar poderia esclarecer o caminho diplomático para uma bomba iraniana.

É melhor não pensar no que o Médio Oriente poderia parecer, após este tipo de confronto. As forças da oposição iranianas seriam, provavelmente, as primeiras vítimas da acção militar ocidental e, noutros locais da região, a Primavera Árabe submergiria, provavelmente, sob uma massiva onda de solidariedade anti-Ocidente com o Irão. A região seria novamente empurrada para a violência e para o terror, ao invés de continuar a sua transformação de baixo para cima. Os efeitos na economia mundial não serão menos significativos, sem falar das consequências humanitárias.

Uma última tentativa numa solução diplomática afigura-se improvável, dado que a questão nuclear desempenha um papel decisivo na luta de facções do regime iraniano, no qual aquele que se compromete a favorecer pode ser considerado o perdedor. Além do mais, os líderes iranianos parecem assumir que o país é grande demais e poderoso demais para ser controlado por sanções ou ataques aéreos.

Historicamente, a estrada para o desastre tem sido geralmente feita de boas intenções e de erros graves de julgamento. Isso poderia acontecer novamente em 2012, quando os erros de cálculo em todas as partes poderiam limpar o caminho para a guerra ou para um Irão como potência nuclear ou, em termos bastantes realistas, para ambas. Uma nova escalada no Médio Oriente culminará nestas deploráveis alternativas, mais cedo do que o previsto, a menos que seja encontrada uma solução diplomática (ou a menos que a diplomacia possa pelo menos ganhar tempo).

Infelizmente, esse cenário é pouco provável no próximo ano. Na ausência de qualquer caminho viável para um compromisso diplomático norte-americano, com o Irão, o fardo de organizar, convocar e conduzir tais negociações altamente sensíveis, cairá sobre a Europa. E os líderes europeus, como o Irão sabe muito bem, têm outras coisas nas suas mentes.

Joschka Fischer, ministro dos negócios estrangeiros da Alemanha e vice-chanceler entre 1998 a 2005, foi líder do Partido Verde alemão durante quase 20 anos.

Fonte: Project Syndicate

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