sábado, 8 de outubro de 2011

Coreia do Norte mostra a sua tragédia alimentar

Por causa do frio, a colheita de Inverno será escassa
No hospital pediátrico na província agrícola mais produtiva da Coreia do Norte, há duas crianças por cama. Todas mostram sinais de má nutrição profunda: têm infecções na pele, o cabelo pastoso, a apatia é evidente.

“As mães trazem-nas até aqui numa bicicleta”, diz o médico Jang Kum Son, que trabalha na cidade de Haeju, junto ao Mar Amarelo. “Tínhamos uma ambulância mas está completamente avariada. Uma mãe viajou 72 quilómetros. Quando chegam aqui, muitas vezes já é demasiado tarde”.

Começa a ser também demasiado tarde para a Coreia do Norte conseguir a quantidade de alimentos de que precisa antes de se instalar o rigoroso Inverno. O deficiente sistema de distribuição de alimentos do país, a subida global dos preços e as sanções contra Pyongyang devido aos seus programas de mísseis e nuclear contribuiram para o que em tudo se assemelha a uma grave fome, que começou mesmo antes de os tufões e das cheias terem devastado as colheitas de Verão.

O apelo do regime para que fosse prestada ajuda alimentar ao país ficou praticamente sem resposta. E só 30% da ajuda garantida pelas Nações Unidas conseguiu chegar. Os Estados Unidos da América e a Coreia do Sul, os principais dadores antes das sanções, já fizeram saber que não retomarão os envios antes do regime militar e comunista garantir que não desviará o auxílio para outros fins e que permita o progresso nas negociações para o desarmamento. A Governo da Coreia do Sul também diz que o Norte está a exagerar quanto à severidade da crise alimentar. Os visitantes estrangeiros, esses têm feito relatos divergentes sobre o que se passa. 

O programa alimentar das Nações Unidas (FAO), por exemplo, fez saber no mês passado, e depois de uma visita dos seus funcionários, que “o estrago não é assim tão significativo”. Outro organismo da ONU, o Programa Alimentar Mundial (PAM), que mantém uma presença regular na Coreia do Norte, advertiu em Março que a fome estava a aumentar. E é devido a estas diferenças que o coordenador da ajuda de emergência da ONU visitará o país ainda este mês.

A Alertnet, um serviço de notícias humanitário dirigido pela fundação Thomson Reuters e que cobre a emergência de crises em todo o mundo, viu provas de má-nutrição e de colheitas estragadas mas também sinais de uma promissora produção de arroz.

Uma reportagem rara

Debaixo de um apertado controlo por parte das autoridades, um jornalista da Alertnet e um fotógrafo da Reuters conseguiram realizar uma viagem de uma semana na região de Hwanghae Sul. Fizeram uma visita rara a uma quinta colectiva, a orfanatos, a hospitais, a postos médicos rurais, a escolas e a infantários. O motivo do regime para permitir esta visita é a amplificação do pedido de ajuda alimentar. 

Primeiro, as autoridades norte-coreanas pediram à Alertnet para mobilizar os seus subscritores no sentido de ajudarem e a dado ponto pediram à fundação Reuters uma doação. A Alertnet disse que não, mas sublinhou que poderia visitar o país e divulgar o que visse.

O retrato que o regime apresentou em Hwanghae Sul foi o de uma fome crónica, de cuidados de saúde incipientes, de acesso limitado a água potável ou limpa e um sistema de racionamento de bens alimentares em colapso. 

Num orfanato de Haeju, 28 crianças amontoavam-se no chão de um pequeno posto médico e cantavam “não temos nada que invejar” — um hino à política de longa data da Coreia do Sul que tornou esta numa das sociedades mais fechadas à face da terra.

Medidas tiradas ao braço de cada criança (todas elas com códigos inscritos em pulseiras plásticas), um teste para medir o grau de má-nutrição, mostraram que 12 estavam na zona laranja e vermelha, ou seja morrerão sem um tratamento adequado. A equipa dos Médicos Sem Fronteiras que acompanharam a Alertnet encontraram cenários idênticos noutras instituições. Mas sublinharam que não se podem tirar conslusões estatísticas. Num orfanato em Hwangju, 12 crianças estavam em situação crítica devido à falta de alimentos. Pareciam ter três ou quatro anos, apesar de os funcionários da instituição garantirem que tinham oito. 

“Nunca presenciei um nanismo desta profundidade, nem mesmo na Etiópia”, disse Delphine Chedorge, a chefe dos serviços de emergência dos Médicos Sem Fronteiras. Na cozinha do orfanato, e para alimentar 736 crianças, a única comida que havia era milho e uma sopa rala de cebola e rábano. A cozinheira diz que não tem óleo, açucar ou qualquer tipo de proteína, que é um ingrediente essencial para uma nutrição adequada. “Eles tiveram que reduzir a altura mínima de entrada nas forças armadas em dois centímetros”, diz um funcionário de uma organização de ajuda humanitária em Pyongyang.Em média, os norte-coreanos vivem menos 11 anos do que os sul-coreanos e a razão principal, segundo os indicadores de saúde da ONU, é a má-nutrição. 

Em Março, o PAM estimou que seis milhões de norte-coreanos sofriam de fome e precisavam de ajuda alimentar e que um terço das crianças sofria de má-nutrição crónica. Por comparação, a ONU diz que na Somália são quatro milhões as pessoas que sofrem de fome. Este dado do PAM desenterrou o fantasma dos anos de 1990. A meio desta década a fome provocada por catástrofes naturais e pela má política agrícola matou um milhão de pessoas, segundo as estimativas existentes. Não se está a dizer que este ano acontecerá o mesmo, mas a Coreia do Norte depende da ajuda alimentar externa desde meados dos anos de 1990, com muitos críticos a dizerem que o regime de Kim Jong-il gasta a maior parte dos pequenos recursos financeiros na manutenção do seu exército e no desenvolvimento de armas nucleares e de mísseis, em vez de alimentar o seu mal nutrido povo.

A vaga fria que surgiu antes de tempo queimou uma grande percentagem de sementes debaixo do solo. E o Comité do Povo de Hwanghae Sul diz que o frio já estragou 65% da produção da província, o milho de Inverno e as batatas que são plantados no Outono e colhidos na Primavera. Entre o fim de Junho e o início de Abril, as chuvas torrenciais, as cheias e dois tufões inundaram o sudoeste e as proncícias do centro. Hwanghae foi muito atingida, sendo as suas quintas comunitárias as grandes fornecedoras de alimentos a um país montanhoso onde só um quinto do solo é arável. A província costumava garantir um terço da produção total de cereais. Há números que o Comité do Povo fornece que são difíceis de confirmar. O que vimos foram terras agrícolas inundadas por lama, pontes de cimento destruídas e escolas e centros de saúde no chão.

Fonte: Público

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