terça-feira, 5 de março de 2013

Portugal: O feitiço virou-se contra o feiticeiro

Os governos às vezes têm ideias fantásticas. Quando não se lembram de lançar novas proibições, inventam formas originais de cobrar impostos. Foi o que aconteceu em Portugal. Tal como em muitos países (à exceção dos do Norte da Europa onde as pessoas parece terem gosto em fazê-lo), os portugueses só pagam impostos quando são obrigados. Se puderem fugir, fogem.

O governo do social-democrata Pedro Passos Coelho descobriu que a economia paralela (ou mercado informal, como dizem no Brasil) tal como o nome indica, não paga impostos. Ora isso é uma afronta à economia “oficial” e distorce a concorrência. Portanto, há que arranjar uma maneira de obrigar a pagar os que costumam fugir ao fisco. Não digo que não seja louvável tal intenção. Como normalmente todos sabem, as oficinas de automóveis, os cabeleireiros, os cafés, restaurantes e outros pequenos estabelecimentos costumam dizer que ganham uma coisa quando na realidade ganham outra. Ora o nosso querido governo teve uma ideia brilhante: se os senhores empresários não passam faturas do que vendem ou dos serviços que prestam e, consequentemente, pagam menos impostos, vamos obrigar os consumidores por lei a pedir essa mesma fatura. E mais: se não pedirem e forem inquiridos na rua, à porta do estabelecimento comercial, por um fiscal, serão multados, com multas que podem chegar a 2 mil euros. Vai o pobre de um português ao café beber qualquer coisa e é obrigado a exigir que o empregado lhe passe uma fatura e ainda tem que se lembrar de cor do seu número fiscal, que deve ser incluído na mesma.

Mas, a ideia brilhante não se resumiu a isto. O Governo criou na Internet, no Portal das Finanças, onde geralmente os cidadãos entregam as declarações eletrônicas de impostos, um programa bonitinho onde todos os senhores empresários têm que inserir todas as faturas que passam todos os dias. Caso não o façam (imagine-se a sofisticação) o cliente final pode fazê-lo ele próprio e, não havendo conformidade, desencadea-se um alarme. Resumindo: para combater a economia paralela, o Estado português pôs os seus cidadãos a serem polícias fiscais dos comerciantes e empresários em geral.

Enquanto o caso não chegava ainda às ditas multas, os cidadãos iam se conformando com a nova obrigação de colecionar faturas cada vez que bebiam um café ou comiam um bolo.

Mas assim que o Governo se preparou para “ir ao bolso” mais uma vez e de forma patentemente injusta, as pessoas revoltaram-se.

Agora vem a parte mais interessante. Primeiro, um escritor, Francisco José Viegas (com quem, a propósito, partilhei um prêmio literário na adolescência, desculpem o pecado da vaidade), ex-secretário de Estado da Cultura do atual governo, mas que há meses se demitiu, insurgiu-se contra tal medida dos seus ex-colegas e, sob a forma de carta aberta ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, escreveu no seu blogue: "Caro Paulo Núncio: queria apenas avisar que, se por acaso, algum senhor da Autoridade Tributária e Aduaneira tentar 'fiscalizar-me' à saída de uma loja, um café, um restaurante ou um bordel (quando forem legalizados) com o simpático objetivo de ver se eu pedi fatura das despesas realizadas, lhe responderei que, com pena pela minha evidente má criação, terei de lhe pedir para ir tomar no cu, ou, em alternativa, que peça a minha detenção por desobediência".

Longe de ter sido criticado pela obscenidade, o escritor foi louvado pela coragem e irreverência.



Segunda parte do filme: os cidadãos começaram a ser tão criativos quanto as autoridades fiscais. Passou a circular, por SMS e nas redes sociais, uma lista com alguns números de identificação fiscal (NIF) de membros do governo.

Nas redes sociais, o movimento cívico Revolução Branca sugeriu uma “desobediência cívica irônica” dos contribuintes, através do pedido de faturas em nome do primeiro-ministro, em protesto contra a nova legislação. Pois é, o feitiço do Governo parece ter-se virado contra o feiticeiro: no sistema eletrônico acima referido foram carregadas “milhares de faturas” com o número de contribuinte do primeiro-ministro, passadas em restaurantes, cabeleireiros e oficinas de automóveis, totalizando milhões de euros em despesas, que entupiram os serviços fiscais. Acontece que, quando um contribuinte mostra ter mais despesas que receitas, os serviços iniciam um processo de investigação das suas contas.

O presidente do movimento Revolução Branca considerou esta rebeldia dos cidadãos “perfeitamente natural” e assinalou que “as coisas quando são espontâneas são porque surgem do fundo do coração”.

Como vai acabar esta guerra entre autoridades e cidadãos? Ninguém sabe.

Uma coisa sei: a democracia parece estar viva (ainda). Finalmente todos perceberam que estar em democracia não é só votar ordeiramente de quatro em quatro anos. Parece que estamos a inventar novas formas de participar e de escolher o nosso futuro, que é incerto. Na Europa, temos que criar um novo tempo, temos todos que ser atores desse tempo, enquanto não é tarde.

Fonte: Voz da Rússia

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