Vaginas cultivadas em laboratório a partir de células próprias das destinatárias foram transferidas com sucesso para o corpo de uma mulher pela primeira vez na história.
A cirurgia foi realizada em quatro pacientes que tinham vaginas subdesenvolvidas por conta de uma condição rara chamada Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (MRKH), que afeta cerca de 1 em cada 5.000 mulheres. Elas também foram diagnosticadas com algum desenvolvimento anormal no útero, embora nenhuma delas tivesse vulva, a parte externa do órgão sexual, que inclui os lábios e o clitóris. Sendo assim, não seriam capazes de ter relações sexuais com penetração, e também não poderia menstruar. Aliás, uma dessas mulheres de que falamos foi diagnosticada com essa condição depois que seu sangue menstrual foi coletado de seu abdômen, durante um exame.
Segundo Anthony Atala, da escola de medicina Wake Forest, na Carolina do Norte (Estados Unidos), que liderou a pesquisa, “após a operação, os [órgãos sexuais] foram capazes de funcionar normalmente. [As mulheres] tinham níveis normais de desejo, excitação, orgasmo e satisfação”.
Mas você se engana se achar que todo esse procedimento cirúrgico acabou de acontecer. Atala publicou os resultados de toda sua pesquisa apenas quatro anos depois da cirurgia, tempo que ele considerou suficiente para ter certeza de que não haveria complicações a longo prazo.
As mulheres, que na época da operação eram todas adolescentes, agora têm órgãos sexuais que funcionam normalmente.
Entenda melhor o desafio
Com base nas técnicas desenvolvidas pelo grupo na década de 1990 e aperfeiçoada em coelhos, Atala e seus colegas conseguiram remover uma pequena parte da vulva de cada mulher e a cultivar em laboratório. Após cerca de quatro semanas, quando tinham células suficientes, começaram a colocá-las em um recipiente, camada por camada de células, até construírem um tecido. Foi como colocar “as camadas de um bolo”, segundo Atala. No vídeo abaixo você pode visualizar melhor o procedimento:
Olhando assim, até parece fácil. Mas o desafio era como fazer as células crescerem até o ponto certo de maturação no laboratório. Segundo o pesquisador da Carolina do Norte, era preciso ter certeza de que as células estariam maduras o suficiente para que, quando implantadas no corpo, pudessem se conectar a outras células do corpo para formar tecidos, vasos e nervos.
Trabalhando com os cirurgiões no hospital infantil Federico Gomez, localizado no México, a equipe de Atala usou exames de ressonância magnética para calcular a forma e tamanho adequado dos tecidos criados em laboratório para cada paciente. Após organizar as células, os cirurgiões criaram uma cavidade no abdômen e inseriram o tecido na vagina recém-criada. Esse tecido foi costurado em seu devido lugar, ligado à parte superior do útero.
As mulheres tiveram que usar uma espécie de cinta por seis semanas, para garantir que a estrutura fosse mantida no lugar certo. Depois desse período, os resultados observados não poderiam ser melhores: a vagina foi totalmente desenvolvida em todas as quatro pacientes, permitindo que elas passassem a ter menstruações e relações sexuais.
Melhor do que um enxerto de pele
Atala espera que, no futuro, a técnica possa ser usada para tratar não só as mulheres que têm defeitos congênitos vaginais, mas também aquelas que sofreram danos por trauma, por exemplo, por causa de um acidente de carro ou câncer. Ou como aquele menino que foi castrado pela própria mãe.
Atualmente é possível criar vaginas cirurgicamente utilizando enxertos tanto do intestino como do tecido da pele, mas estes podem levar a graves complicações. Tudo porque enxertos de células da pele não fornecem a lubrificação necessária, o que acaba provocando dor durante o ato sexual, e pode engrossar o tecido da região a ponto de fazer a vagina se fechar novamente. Já no caso de fazer o enxerto com células intestinais, o problema é justamente o contrário: elas acabam secretando muco constantemente o que, além de anti-higiênico, provoca um odor desagradável. Usando células da própria vulva, complicações como estas ficam fora de questão.
Saber que os tecidos são construídos com células do próprio corpo do destinatário pode ser reconfortante para eles, diz Sylvie Miot, da Universidade de Basel, na Suíça, cuja equipe também projetou com sucesso novas narinas para pacientes que tiveram de remover seus narizes por conta de câncer de pele.
Vida normal
Os resultados mostram também que os órgãos desenvolvidos em laboratório podem crescer até a maturidade de forma saudável dentro do corpo, segundo Martin Birchall, da Universidade de Londres. As mulheres tinham idades entre 13 e 18 anos quando a cirurgia aconteceu, de forma que seus corpos ainda estavam em desenvolvimento.
Uma das mulheres, que preferiu o anonimato, disse que o tratamento abriu novas possibilidades. “Eu realmente me sinto feliz, porque eu vou ter uma vida normal, completamente normal”, completou ela. “É importante que outras meninas que têm o mesmo problema saibam que ele não acaba com você, porque há um tratamento”.
Duas das quatro mulheres têm um útero funcional, por isso, a grande questão é saber se serão capazes de ter filhos. “Elas ainda não tentaram”, disse Atala. “Mas como podem ovular, não há razão para suspeitar que não possam”.
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New Scientist